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E Patrícia Lopes de Oliveira escreve….

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Crônica
DAS LEMBRANÇAS QUE TEMOS NA VIDA


Tivemos uma época maravilhosa em nossas vidas. Tempo das fanfarras. Levávamos muito a sério o fato de fazer parte das fanfarras das nossas escolas. Lembro de treinar muito. Nosso instrutor era o Abílio Rodrigues. Por vezes, o Juquinha também aparecia.

Participamos dos concursos da Rede Record de bandas e fanfarras em São Paulo. Tocamos no Play Center e em muitas cidades e outros lugares. Foi um tempo muito bom. Muitas vezes ficávamos a noite no colégio confeccionando nossos chapéus com a ajuda do Professor Hiroshi, o Shiruca.

Eu fui a primeira mulher a fazer parte da fanfarra do G.E. Eu ficava assistindo os ensaios e esperando o João Luís, meu irmão que tocava aquele Bumbo enorme da frente. E um dia o professor Abílio pediu para eu pegar uma caixinha e tocar. Depois veio a Isa e a Kika. E assim foi. Era tudo muito bom!

Mas teve uma viagem para São Paulo que se tornaria inesquecível. A viagem era de trem. A estação ficava lotada. As duas fanfarras de Presidente Venceslau viajavam juntas. Apesar da rivalidade eram viagens memoráveis.

E me lembro de uma em particular que entramos no trem e fomos virando as cadeiras. Elas ficavam uma de frente pra outra. Então, Juntávamos os amigos e era só alegria.

Antes de chegar em Prudente já começamos a ver o que a mãe de cada um tinha preparado para gente comer. Eram salgados, sanduíches, tortas e bolos. E a gente trocava uns com os outros.

Em determinado momento algumas pessoas do nosso vagão começaram a se sentir muito mal. Desmaiavam!
Em um primeiro momento pensamos que fosse da alimentação.

Mas, de repente notamos que eram muitas pessoas. Um rapaz vendo a situação tirou um vidro da janela para ajudar na ventilação.
E soubemos depois que foi passada para a cidade de Assis a informação que haviam pessoas no trem depredando tudo.

Eu fui uma das que passaram por momentos complicados alí. Tive que ficar numa cabine. A professora Beba estava nos ajudando. Uma situação que fugia ao controle.

Quando chegamos em Assis alguns policiais entraram no trem. E ao contrário do que esperavam encontraram crianças e adolescentes passando mal.

Fomos retirados do trem de madrugada e ficamos na estação. A cidade de Assis tomou conhecimento que haviam jovens passando muito mal e que precisávamos de leite. Estávamos intoxicados com alguma coisa. E a comunidade de Assis foi maravilhosa. Num estante eles se mobilizaram e trouxeram caixas e mais caixas de leite para nós.

Lembro disso tudo como se fosse hoje. E poderia citar o nome de várias pessoas que dividiram esse momento comigo.

Nunca tomei tanto leite na minha vida. A viagem seguiu e nós ficamos. Levamos um tempo ainda para começarmos a nos recuperar. Já passava da hora do almoço quando retornamos a outro trem e recomeçamos a viagem. Estávamos esperando algumas pessoas que foram hospitalizadas.

Ficamos sabendo depois que o problema era a água do trem.

Chegamos em São Paulo e fomos para o estádio do Pacaembu onde ficaríamos alojados. Muita gente completamente sem condições alguma de tocar. Aquela noite ainda várias pessoas passaram muito mal, estavam debilitadas demais.

Tínhamos que ensaiar em volta do campo. Faltava força! Era muita vontade. Mas, não tínhamos forças.

No dia do desfile uma ambulância seguiu a nossa fanfarra. Daqui de Venceslau minha mãe gravava pelo rádio a hora do nosso desfile. Era muita emoção. Sempre foi!

Naquele dia chegamos a avenida São João sem saber o que aconteceria. Tínhamos nos preparado o ano todo. Um esforço descomunal.

O locutor da rádio descreveu assim: É o Ginásio Estadual de Presidente Venceslau. Vestidos com as cores da alegria. É amarelo e vermelho as cores da Fanfarra. Essa garotada que agora está desfilando ficaram doentes durante a viagem. Mas estão aqui representando a sua escola e a sua cidade.

Mas não estávamos todos em condição de tocar. Olhei do lado e vi algumas pessoas que começaram a só carregar o instrumento. Não conseguiam tocar e colocavam o instrumento de lado. Carregavam o surdo, o prato, as caixinhas. Mas não tocavam! E lágrimas caiam de seus olhos. Caiam dos meus também.

Alguns realmente vencidos pela fraqueza. Mas ali desfilando. Com nossos professores acompanhando do lado.

E quando passamos diante da comissão julgadora eles ficaram de pé e nos aplaudiram. Senti muito orgulho de todos alí.

O locutor então disse naquele momento:. “A comissão julgadora está todinha de pé aplaudindo o Ginásio Estadual de Presidente Venceslau. Essa garotada que agora está desfilando”

Descemos a avenida São João entristecidos. Não conseguimos dar o nosso melhor. Não tinhamos forças suficiente. Nunca esquecemos essa viagem. Quem participou dela sabe disso. É uma daquelas coisas que nunca esqueceremos. Não vencemos o campeonato. Não obtivemos a melhor colocação. Mas saímos daquela avenida mais do que vencedores.

Superamos as nossa limitações e fomos representar a nossa escola e a nossa cidade. Caminhamos! Muitos não conseguiam sequer erguer o pé na marcha correta. E o nosso esforço impressionou as pessoas que nos aplaudiam sem cessar.

Nós passávamos e o aplauso de cada um era respeito.

Voltamos para casa e ao chegarmos a estação estava lotada pelos nossos familiares, amigos e pelos venceslauenses que foram nos receber.

Aprendi ali o conceito de grandeza, de distinção, de ética, de brio, de amizade e cumplicidade

Até hoje somos unidos por essa história. Sempre recordamos. Claro que tivemos instantes engraçados.

Lembro que quando a polícia entrou no trem em Assis, um garoto ao lado disse: Qualquer coisa diga que me chamo Celino Justino e só. E a amiga dele perguntava: Issó com dois “S”. E ele bem baqueado repetia. Não! É e só. E a menina repetia com “Ç”. Foi hilário!

São lembranças que permanecem em nossos corações para sempre. Saudades de todos os amigos que fizeram parte dessa história.

Sintam-se todos abraçados e homenageados.


Patrícia Lopes de Oliveira
Formada em Letras e Direito
Pesquisadora em projetos humanitários e culturais.

17:17:13

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