A nova lei federal que permite o registro em cartório de imóveis de áreas pobres sem necessidade de apresentação do habite-se esbarra em limitações impostas pelo próprio texto da norma e na falta de regulamentação.
O habite-se é uma certidão expedida pelas prefeituras que comprova que uma construção foi concluída dentro das regras legais. Em geral, os cartórios a exigem para poder fazer o registro do imóvel, que define quem é o proprietário dele (leia mais sobre habite-se e registro ao fim desta reportagem).
A nova lei, aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em agosto, dispensa o habite-se para imóveis que atendam a 3 critérios:
- Foram construídos há mais de 5 anos;
- Sejam de 1 só pavimento (térreos);
- Estejam em área ocupada predominantemente por população de baixa renda.
A lei, entretanto, não definiu qual documento deve ser apresentado em substituição ao habite-se. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), responsável por definir normas nacionais para cartórios, informou que está elaborando uma norma sobre o assunto, mas não deu detalhes – nem prazo.
Os tribunais de Justiça estaduais também precisam atualizar as normativas para os cartórios de seus estados. Mas, de 5 consultados pelo G1 – Distrito Federal, Minas Gerais, Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro – apenas o de Pernambuco atualizou o seu código de normas por conta da nova lei.
Ainda assim, os cartórios ainda têm dúvidas sobre como fazer o registro do habite-se, pois a alteração não deixou claro o que deve ser apresentado no lugar desse documento, segundo Roberto Lúcio de Souza Pereira, presidente da Associação dos Registradores de Imóveis de Pernambuco (Aripe).
“Essa solução está sendo estudada”, afirmou.
Em São Paulo, maior cidade do país, a ausência da regulamentação trava a eficácia da nova lei, diz Flaviano Galhardo, presidente da associação dos registradores imobiliários da capital (Arisp). Nem proprietários nem cartorários sabem o que fazer.
“Desde de agosto, nos cartórios da cidade de São Paulo, por enquanto, não houve nenhum pedido de regularização sem a apresentação do habite-se. As pessoas não sabem qual e a relação de documentos que precisam apresentar e nós não sabemos quais documentos receber. Essa relação precisa ser estabelecida previamente pelo governo federal”, afirma.
O Tribunal de Justiça de São Paulo informou que serão feitos estudos para definir como será feita a comprovação de que o imóvel está dentro das exigências da lei que dispensa o habite-se, mas não deu prazo para que a definição ocorra.
Em Minas Gerais, os cartórios de Belo Horizonte têm recebido “sondagens” do público sobre como registrar o imóvel com dispensa do habite-se, segundo o Colégio Registral Imobiliário de Minas Gerais (Cori-MG).
Segundo Ana Cristina de Souza Maia, secretária-geral da entidade, os interessados precisarão apresentar uma certidão municipal que comprove que o imóvel está nas condições exigidas pela nova lei.
“Quem tem competência para dizer que a edificação é unifamiliar, de um só pavimento e que a edificação se localiza em área permitida é o município, então nesses casos, nós exigiríamos o requerimento, essa certidão municipal e a Certidão Negativa de Débito do INSS”, diz Ana.
Procurado, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) também informou que estuda como atualizar o código de normas para os cartórios e, assim como o de SP, não deu prazo.
No Distrito Federal, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ-DFT) diz que os cartórios são livres para definir quais documentos exigir. Com isso, há diversas interpretações diferentes sobre a nova lei, segundo a Associação dos Notários e Registradores do Distrito Federal (ANOREG/DF):
– Parte acredita que a lei precisa de uma regulamentação para que se defina o que entra no lugar do habite-se;
– Parte acredita que não precisa, mas que o proprietário precisa apresentar ao cartório os mesmos documentos exigidos para se obter o habite-se;
– Parte acredita que só é preciso apresentar prova de existência do imóvel (como uma foto ou conta de luz), ou mesmo uma declaração do interessado;
Mesmo com essa flexibilização, entretanto, os cartórios do Distrito Federal receberam até o início de dezembro apenas 1 pedido de registro com base na nova lei, segundo a Anoreg/DF. E, mesmo assim, o procedimento não foi feito, pois o proprietário não apresentou todos os documentos necessários.
No Rio de Janeiro, a associação dos registradores de imóveis diz não ter percebido solicitações com base na nova lei. O Estado, porém, já permite o registro sem habite-se, desde que o interessado comprove que o imóvel está no cadastro fiscal do município, e desde que isso fique escrito no registro, segundo a entidade.
“Outra diferença da regra local, é que não há limitação do tipo de construção que pode ser averbada dessa forma. Seja ela residencial ou comercial, com um ou mais pavimentos, situada em área ocupada por população de baixa renda ou não, apresentado o documento fiscal expedido pelo município, poderá ser averbada”, diz Leonardo Monçores Vieira, presidente da associação.
O TJ-RJ entende que os cartórios precisam, sim, exigir o habite-se em qualquer situação, e infomrou que foi instaurado um procedimento para adequar as normas cartorárias do estado à nova lei.
G1
10:55:03