Os dois principais shopping centers de Presidente Prudente (Prudenshopping e Parque Shopping Prudente) exibem, a partir deste 12 de Outubro, Dia da Criança, e pelo menos durante todo o mês, anúncios fake (falsos) de empregos para crianças. A ideia, conforme a Audi Comunicação, agência de publicidade que criou gratuitamente a campanha a pedido do Fórum de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil de Presidente Prudente e Região – FPETI-PPR, é chocar e, com isso, chamar a atenção da população para o problema, que ainda afeta, segundo os últimos dados oficiais disponíveis, 2,516 milhões de pequenos brasileiros em todo o País.
Depois de ressaltar os malefícios causados pelo trabalho precoce, o projeto publicitário, aprovado pelas instituições que integram o FPETI-PPR, estabelece o conceito da campanha: “Para chamar atenção para esse quadro tão alarmante, a ideia é criar um anúncio fake, mostrando o sangue frio de quem contrata crianças e foca em habilidades desejadas de forma tão mesquinha”.
Foram desenvolvidas quatro versões de fake ads (anúncios falsos). Todas elas trazem no cabeçalho, com fundo preto e em destaque, a chamada: “VAGA DE EMPREGO” (em caixa alta e em negrito). Logo abaixo, a surpresa: “para crianças”. Aí seguem os anúncios falsos e, no rodapé, a explicação: “Essa vaga não existe, mas o trabalho infantil continua sendo realidade na vida de muitas crianças”. Por fim, o convite a denunciar pelo Disque 100, canal que trata da violação de direitos humanos do governo federal, e a assinatura dos promotores: FPETI-PPR, Programa de Combate ao Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho, Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Ministério Público do Trabalho, o cata-vento de cinco pontas (símbolo mundial de enfrentamento dessa chaga social) e Governo de Presidente Prudente.
Os anúncios
O primeiro dos quatros anúncios de vaga de emprego para crianças é de uma Distribuidora de Balas imaginária. O título: “Distribuidora de Balas – Infância Perdida”. Abaixo, a imagem de três balas coloridas e o anúncio: “Procura-se profissional mirim com boa oratória para vendas em semáforo. Exige-se resistência ao sol e longas jornadas em vias de grande fluxo. Diferencial: formação em dramaturgia para simular doenças crônicas”. Como em todas as outras versões, há o alerta da falsidade e o estímulo a denunciar casos de tal natureza.
Outra versão traz falsa vaga para trabalhar em uma suposta fazenda, associando-a ao resultado: “Infância Destruída”. O falso anúncio traz enfeixados seis pedaços de cana e o chamado: “Procura-se profissional mirim com agilidade para cortar cana e colher café. Exige-se facilidade em suportar o sol e longos períodos sem comer. Diferencial: habilidade em dirigir trator ou caminhões”.
O terceiro anúncio de falso emprego é para uma vaga numa carvoaria. Sobre uma imagem distorcida de carvão, a sentença: “Infância Infeliz”. Como nos outros, a chocante frase “Procura-se profissional mirim” inicia a propaganda que segue, de forma trágica: “para trabalhar mais de 14 horas por dia sem reclamar. Exige-se resistência ao trabalho duro e força para carregar carvão. Diferencial: habilidade em operar maquinário de corte”.
A última versão retrata o trabalho infantil doméstico. “Babá – Infância Roubada” é o título da chamada para o emprego que, nesse caso, é falso. Um ursinho, uma mamadeira, chupeta e fraudas contrastam com a infeliz oferta de trabalho: “Procura-se profissional mirim com maturidade para cuidar de outra criança. Exige-se facilidade em limpar cocô, dar banho e fazer papinha. Diferencial: alfabetizada, com habilidade em atividades recreativas”. No mundo real, por vezes, nem alfabetizar-se a criança ou adolescente vítimas do trabalho infantil doméstico conseguem.
Campanha quer chocar para conscientizar
Os últimos dados referentes ao trabalho infantil no Brasil são de 2016. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE publicou, em 2017, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD Contínua, com dados de 2016, que, somados 716 mil crianças que trabalhavam para o próprio consumo e subsistência, que, por critérios metodológicos, foram excluídos das estatísticas pela primeira vez, revela que ainda eram explorados pelo trabalho precoce, naquele ano, 2,516 milhões crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade.
O IBGE promete, até o final do ano, rever os dados de 2016 e publicar os resultados da PNAD de 2017. O problema não é só brasileiro. No mundo, ainda são 152 milhões de crianças e adolescentes na mesma faixa etária vítimas do trabalho infantil, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho – OIT.
Em Presidente Prudente, o FPETI-PPR foi criado em 6 de março de 2015, no mesmo dia em que foi instalado, pela Justiça do Trabalho, o Juizado Especial da Infância e Adolescência – JEIA da circunscrição prudentina, durante seminário que reuniu cerca de 500 pessoas, no Teatro “Paulo Roberto Lisboa”. A partir de então, a luta contra o trabalho infantil se fortaleceu na cidade e região.
O FPETI-PPR se reúne trimestralmente no auditório do Fórum Trabalhista de Presidente Prudente e congrega diversos órgãos e instituições, dentre os quais o JEIA e o Ministério Público do Trabalho, desenvolvendo inúmeras ações, como pesquisa recente, georreferenciada, que possibilitará a busca ativa de estudantes dos ensinos fundamental e médio da rede pública que estejam em situação de trabalho infantil, para que soluções sejam encontradas.
A ideia da campanha foi apresentada pelo JEIA e aprovada pelos demais, para marcar o 12 de Outubro. O juiz Mouzart Luis Silva Brenes, coordenador do JEIA, explicou que “o Brasil comemora o “Dia das Crianças”, anualmente, em 12 de outubro, oficializado pelo presidente Arthur Bernardes, através do Decreto nº 4.867 de 5 de novembro de 1.924”. Ainda segundo ele, “a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu como Dia Universal da Criança, o dia 20 de novembro, em homenagem a data da aprovação da Declaração dos Direitos da Criança de 1.959”.
No Brasil, prossegue o juiz, “desde 1955, a partir de uma campanha de marketing por uma indústria de brinquedos, o dia 12 de outubro passou a ter uma conotação comercial e ser celebrado com presentes. Entretanto, lamentavelmente, em pleno século XXI, muitas crianças ainda não têm oportunidade de comemorar o ‘Dia das Crianças’ por terem sua infância suprimida pela exploração do trabalho infantil”.
Nesse cenário, segundo o coordenador do JEIA, “devemos refletir sobre o mal que essa chaga social perpetua na vida de uma pessoa, pois a vítima do trabalho infantil, enquanto criança, é levada à evasão ou ao baixo rendimento escolar e, quando adulta, empurrada ao subemprego ou ao desemprego. Este ciclo vicioso de pobreza e de baixa qualificação profissional faz com que crianças, geração após geração, tenham roubado o direito de sonhar com a celebração do ‘Dia das Crianças’ com presentes e muitas brincadeiras nas escolas e parques. É preciso nos conscientizarmos que a celebração da data perpassa pela erradicação do trabalho infantil”.
A procuradora Renata Crema Botasso, uma entusiasta da luta contra o trabalho infantil, tem participado também ativamente das ações desenvolvidas pelo FPETI-PPR, representando o Ministério Público do Trabalho. No caso da campanha, de forma inteligente, aproveitando a onda das fake news, a agência de publicidade valeu-se dos fake ads para, chocando, conscientizar sobre a necessidade de combater o trabalho infantil.
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