A aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Anistia, na quinta-feira, 15, foi marcada por discussão escassa e votação acelerada no Senado Federal. Em menos de 24 horas, a proposta recebeu aval da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Casa e passou por duas votações (primeiro e segundo turnos) com placares de 51 votos a favor e 15 contrários; e 54 a 16.
O aval uniu bancadas do PT do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao PL do ex-presidente Jair Bolsonaro, passando pelas lideranças do “centrão”, em aliança pela perspectiva de perdão a irregularidades eleitorais — uma economia de cerca de R$ 23 bilhões aos partidos. Apenas o Novo orientou voto contrário.
O que foi votado
O texto revogou uma regra existente que impunha às legendas direcionar uma verba eleitoral proporcional à quantidade de candidaturas negras registradas e reduziu o percentual de recursos para 30%. Em 2022, quando a regra ainda valia, candidatos pretos e pardos foram cerca de 50% e, portanto, teriam de receber 50% da verba eleitoral de R$ 4,9 bilhões para fazer campanha — o que não ocorreu.
Sujeitos à punição pela irregularidade, os partidos foram anistiados por seus próprios parlamentares e terão acesso a um programa de regularização das dívidas com isenção de juros e prazo prolongado (15 anos). A reserva de verba para as candidaturas femininas foi mantida em 30%, e as novas regras valem do pleito de 2026 em diante.
Movimentos da sociedade civil ligados à transparência partidária e ao direito eleitoral dizem que a PEC representa um estímulo à inadimplência e viabiliza partidos pagarem dívidas usando recursos de “origem não identificada”, o que pode ser recurso de “caixa 2″.
Anistia sob análise
O site IstoÉ entrevistou Marina Almeida Morais, presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-GO (Ordem dos Advogados do Brasil) e integrante da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político) para entender os impactos do que foi aprovado.
O que a PEC muda nas regras estabelecidas para candidaturas? A mudança pode gerar retrocessos de representação política?
Marina Morais Não é possível avaliar se a mudança da destinação obrigatória de acordo com a proporção de candidaturas para os 30% corresponderá a uma redução de recursos, na prática. Primeiro porque se fala em um piso, não se podendo descartar que os partidos destinem verbas maiores a cada candidatura.
Segundo porque, em um partido que registre 20% de candidaturas de pessoas negras, o percentual mínimo de 30% dos recursos ainda é aplicado. Essa situação é possível porque, ao contrário da política afirmativa voltada à participação feminina, ainda não há, aqui, reserva de candidaturas, somente de recursos.
Numa postura otimista, a alteração do texto também pode refletir numa redução do número de fraudes na autodeclaração de raça, um fenômeno lamentável que se multiplicou nas últimas eleições.
Por que se fala em “anistia”? De que modo a PEC concretizou um perdão a irregularidades eleitorais cometidas pelos partidos?
Marina Morais Ficou prevista uma possibilidade de que os valores não repassados em eleições anteriores sejam destinados a essas candidaturas nas eleições seguintes. Mas, em termos práticos, temos uma repetição da já conhecida “anistia” aos partidos que descumprem as políticas afirmativas vigentes.
O reflexo, certamente, é um incentivo para que o descumprimento das normas se perpetue, fundado em uma perspectiva de impunidade. Ainda assim, como alguns deputados observaram, ao menos há previsão de que o valor seja destinado nas eleições seguintes, não se perdoando, de plano e integralmente, a ausência de repasses.
Como as mudanças em direito partidário são aprovadas pelos destinatários da norma (os partidos), é evidente que são pensadas de forma a beneficiá-los. Prova disso é que os senadores que votaram a favor compõem diferentes espectros ideológicos. LR