Mais de dois meses depois que os moradores de Yahidne derrubaram a porta trancada do porão onde o Exército russo os mantinha reféns, a vila está sendo reconstruída, mas as memórias permanecem frescas — e profundamente dolorosas.
Em 3 de março, oito dias após o início de invadir a Ucrânia, as forças russas invadiram Yahidne, uma vila na estrada principal ao norte de Kiev. Por quase um mês, até 31 de março, quando as tropas ucranianas libertaram a cidade, mais de 300 pessoas, 77 delas crianças, ficaram presas em várias salas do porão frio e úmido da escola da aldeia – um escudo humano para as tropas russas ali instaladas.
Dez dos cativos morreram. Entre os presos estavam um bebê e um idoso de 93 anos, segundo promotores ucranianos.
— Este é o nosso campo de concentração — disse Oleh Turash, de 54 anos, um dos presos, que ajudou a enterrar as pessoas que morreram lá.
Na maior parte do tempo, praticamente não havia luz. Apesar do clima gelado do inverno, disse ele, as pessoas estavam tão apertadas que o calor do corpo era todo o calor de que precisavam.
Porém, nunca havia oxigênio suficiente para respirar normalmente, fazendo com que algumas pessoas desmaiassem e outras, principalmente mais velhas, sofressem alucinações.
— Eles começaram a balbuciar sobre a necessidade de plantar batatas e outras coisas que não podiam fazer — disse Ivan Petrovich, zelador da escola.
Turash dormia no quarto maior. Tinha a única fonte de ar, um pequeno buraco que as próprias pessoas fizeram, disse Petrovich. Um balde estava do outro lado da sala, um banheiro improvisado para crianças e outros que não podiam esperar até de manhã, quando havia esperança de que os soldados russos deixariam as pessoas usarem os banheiros comuns.
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Um registro na porta da sala maior mostrava que 136 pessoas haviam ficado lá, nove delas crianças. Originalmente, o número era de 139, mas foi riscado por causa de três mortes, disse Turash.
— Três pessoas morreram ao meu redor — disse sua mãe de 73 anos, Valentyna, que quebrara o braço direito ao descer as escadas para o porão, mas não recebeu tratamento médico. — Ainda estou com muita dor e não consigo usar meus dedos tão bem quanto costumava.
Valentyna disse que a sala onde ficou estava tão lotada que não havia espaço para ela se mexer.
— Passei 30 dias assim, quase sem me mexer— disse ela, agachando-se no chão. — Duas vezes perdi a consciência por falta de oxigênio, mas meu filho bateu na porta para me tirar. Graças a Deus eu sobrevivi.
Petrovich e Turash trouxeram giz de cera para as crianças desenharem. No interior, desenharam um mural na parede composto por bandeiras ucranianas, corações, sóis e borboletas. No topo, uma criança escreveu: “Sem Guerra!!!”.
Globo
11:40:02